Este mistério, o maior de todos os mistérios, pois de todos é princípio e fim, é chamado pelos doutores sagrados substância do Novo Testamento; para conhecê-lo e contemplá-lo foram criados, no céu os anjos e na terra os homens; para ensinar com maior clareza o que foi prefigurado no Antigo Testamento, Deus mesmo desceu dos anjos aos homens: “Ninguém jamais viu Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou”.

Assim pois, quem escreve ou fala sobre a Trindade sempre deverá ter em vista o que prudentemente admoesta o Angélico: “Quando se fala da Trindade, convêm fazê-lo com prudência e humildade, pois – como diz Agostinho – em nenhuma outra matéria intelectual é maior o trabalho ou o perigo de equivocar-se ou o fruto uma vez alcançado”. Perigo que procede de confundir entre si, na fé ou na piedade, as pessoas divinas ou de multiplicar sua única natureza; pois a fé católica nos ensina a venerar um só Deus na Trindade e a Trindade em um só Deus.

Por isso, nosso predecessor Inocêncio XII não atendeu a petição daqueles que solicitavam uma festa especial em honra do Pai. Se existem certos dias festivos para celebrar um dos mistérios do Verbo Encarnado, não existe uma festa própria para celebrar o Verbo tão somente segundo sua natureza; e ainda a mesma solenidade de Pentecostes, já tão antiga, não se refere simplesmente ao Espírito Santo por si, mas que recorda sua vinda ou missão externa. Tudo isso foi prudentemente estabelecido para evitar que ninguém multiplicasse a divina essência, ao distinguir as Pessoas. Mais ainda: a Igreja, a fim de manter em seus filhos a pureza da fé, quis instituir a festa da Santíssima Trindade, que logo João XXII mandou celebrar em todas as partes; permitiu que se dedicassem a este mistério templos e altares e, depois de celestial visão, aprovou uma Ordem religiosa para a redenção dos cativos, em honra da Santíssima Trindade, cujo nome a distinguia.

Convém assinalar que o culto tributado aos Santos e Anjos, à Virgem Mãe de Deus e a Cristo, redunda todo e se termina na Trindade. Nas preces consagradas a uma das três pessoas divinas, também se faz menção das outras; nas litanias, assim que se invoca a cada uma das Pessoas separadamente, se termina por sua invocação comum; todos os salmos e hino tem a mesma doxologia ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo; as bênçãos, os ritos, os sacramentos, ou se fazem em nome da Santa Trindade, ou lhes acompanha sua intercessão. Tudo o que já havia anunciado o Apóstolo com aquela frase: “Dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele a glória por toda a eternidade! Amém”; significando assim a trindade das Pessoas e a unidade de natureza, pois por ser esta uma e idêntica em cada uma das Pessoas, procede que a cada uma se tribute, como a um e mesmo Deus, igual glória e coeterna majestade. Comentando aquelas palavras, diz Santo Agostinho: “Não se interprete confusamente o que o Apóstolo distingue, quando diz “Dele, por ele e para ele”; pois diz “dele” pelo Pai, “por ele” por causa do Filho; “para ele”, em relação ao Espírito Santo”.

Pai, Filho e Espírito Santo

Com grande propriedade, a Igreja costuma atribuir ao Pai as obras de poder; ao Filho, as da sabedoria; ao Espírito Santo, as do amor. Não porque todas as perfeições e todas as obras ad extra não sejam comuns às três Pessoas divinas, pois indivisíveis são as obras da Trindade, como indivisa é sua essência, porque assim como as três Pessoas divinas são inseparáveis, assim obram inseparavelmente; mas que por uma certa relação e como afinidade que existe entre as obras externas e o caráter “próprio” de cada Pessoa, se atribuem a uma melhor que as outras, ou – como dizem – “se apropriam”. Assim como da semelhança do vestígio ou imagem existente nas criaturas nos servimos para manifestar as divinas Pessoas, assim fazemos também com os atributos divinos; e a manifestação deduzida dos atributos divinos se diz “apropriação”.

Desta maneira, o Pai, que é princípio de toda a Trindade, é a causa eficiente de todas as coisas, da Encarnação do Verbo e da santificação das almas: “De Deus são todas as coisas”; “de Deus”, por relação ao Pai: o Filho, Verbo e Imagem de Deus, é a causa exemplar pela qual todas as coisas têm forma e beleza, ordem e harmonia, ele, que é caminho, verdade e vida, tem reconciliado o homem com Deus; “por Deus”, por relação ao Filho; finalmente, o Espírito Santo é a causa última de todas as coisas, posto que, assim como a vontade e ainda toda coisa descansa em seu fim, assim Ele, que é a bondade e o amor do Pai e do Filho, dá forte impulso forte e suave e como a última mão ao misterioso trabalho de nossa eterna salvação: “em Deus”, por relação ao Espírito Santo.

Fonte: Carta Encíclica DIVINUM ILLUD MUNUS, do Sumo Pontífice Leão XIII, sobre a Presença e Virtude Admirável do Espírito Santo.