Os Santos e a interpretação da Escritura
A interpretação da Sagrada Escritura ficaria incompleta se não se ouvisse também quem viveu verdadeiramente a Palavra de Deus, ou seja, os Santos. Realmente a interpretação mais profunda da Escritura provém precisamente daqueles que se deixaram plasmar pela Palavra de Deus, através da sua escuta, leitura e meditação assídua.
Certamente, não é por acaso que as grandes espiritualidades, que marcaram a história da Igreja, nasceram de uma explícita referência à Escritura. Penso, por exemplo, em:
Santo Antão Abade, que se decide ao ouvir esta palavra de Cristo: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céus; depois, vem e segue-Me” (Mt 19, 21).
São Basílio Magno, quando, na sua obra Moralia, se interroga: “O que é próprio da fé? Certeza plena e segura da verdade das palavras inspiradas por Deus. Com tal certeza plena, conformar-se com o significado das palavras da Escritura, sem ousar tirar nem acrescentar seja o que for”.
São Bento, na sua Regra, remete para a Escritura como “norma retíssima para a vida do homem”.
São Francisco de Assis, escreve Tomás de Celano – “ao ouvir que os discípulos de Cristo não devem possuir ouro, nem prata, nem dinheiro, não devem trazer alforje, nem pão, nem cajado para o caminho, não devem ter vários pares de calçado, nem duas túnicas”; logo exclamou, transbordando de Espírito Santo: Com todo o coração isto quero, isto peço, isto anseio realizar!
Santa Clara de Assis reproduz plenamente a experiência de São Francisco: “A forma de vida da Ordem das Irmãs pobres (…) é esta: observar o santo Evangelho do Senhor nosso Jesus Cristo”.
São Domingos de Gusmão, por sua vez, “em toda a parte se manifestava como um homem evangélico, tanto nas palavras como nas obras”, e tais queria que fossem também os seus padres pregadores: “homens evangélicos”.
Santa Teresa de Ávila, nos seus escritos, recorre continuamente a imagens bíblicas para explicar a sua experiência mística, e lembra que o próprio Jesus lhe manifesta que “todo o mal do mundo deriva de não se conhecer claramente a verdade da Sagrada Escritura”.
Santa Teresa do Menino Jesus, encontra o Amor como sua vocação pessoal, quando perscruta as Escrituras, em particular os capítulos 12 e 13 da Primeira Carta aos Coríntios; e a mesma Santa assim nos descreve o fascínio das Escrituras: “Apenas lanço o olhar sobre o Evangelho, imediatamente respiro os perfumes da vida de Jesus e sei para onde correr”.
Santo Inácio de Loyola na sua busca da verdade e no discernimento espiritual, em São João Bosco na sua paixão pela educação dos jovens, em São João Maria Vianney na sua consciência da grandeza do sacerdócio como dom e dever; em São Pio de Pietrelcina no seu ser instrumento da misericórdia divina; em São Josemaria Escrivá na sua pregação sobre a vocação universal à santidade; na Santa Teresa de Calcutá missionária da caridade de Deus pelos últimos; e nos mártires do nazismo e do comunismo representados, os primeiros, por Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), monja carmelita, e os segundos pelo Beato Aloísio Stepinac, Cardeal Arcebispo de Zagrábia.
Assim, a santidade relacionada com a Palavra de Deus inscreve-se de certo modo na tradição profética, na qual a Palavra de Deus se serve da própria vida do profeta. Neste sentido, a santidade na Igreja representa uma hermenêutica da Escritura da qual ninguém pode prescindir. O Espírito Santo que inspirou os autores sagrados é o mesmo que anima os Santos a darem a vida pelo Evangelho. Entrar na sua escola constitui um caminho seguro para efetuar uma hermenêutica viva e eficaz da Palavra de Deus.
Fonte: Parte Exortação Apostólica Pós-Sinodal VERBUM DOMINI do Papa Emérito Bento XVI sobre a Palavra de Deus. Parte II (48-49). Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 30 de Setembro – memória de São Jerônimo – de 2010.