O que ensina a Igreja? Será que ainda hoje se pode afirmar esta doutrina?
Muitos pensam que, à luz da história da evolução, já não haveria lugar para a doutrina de um primeiro pecado, que depois se teria difundido em toda a história da humanidade. E, por conseguinte, também a questão da Redenção e do Redentor perderia o seu fundamento. Portanto, existe ou não o pecado original?
“Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero.” (Rm 7,19).
Para poder responder devemos distinguir dois aspectos da doutrina sobre o pecado original. Existe um aspecto empírico, isto é, realidade concreta, visível, diria tangível para todos. E um aspecto mistério, relativo ao fundamento ontológico deste fato. O dado empírico é que existe uma contradição no nosso ser. Por um lado, cada homem sabe que deve fazer o bem e intimamente até o quer fazer. Mas, ao mesmo tempo, sente também o outro impulso para fazer o contrário, para seguir o caminho do egoísmo, da violência, para fazer só o que lhe apraz, mesmo sabendo que assim age contra o bem, contra Deus e contra o próximo. São Paulo na sua Carta aos Romanos expressou esta contradição no nosso ser assim: “Quero o bem, que está ao meu alcance, mas realizá-lo não. Efetivamente, o bem que quero, não o faço, mas o mal que não quero é que pratico” (Rm 7, 18-19). Esta contradição interior do nosso ser não é uma teoria. Cada um de nós a vive todos os dias. E, sobretudo vemos sempre em nossa volta a prevalência desta segunda vontade. É suficiente pensar nas notícias quotidianas sobre injustiças, violência, mentira, luxúria. Vemo-lo todos os dias: é uma realidade.
Como consequência deste poder do mal nas nossas almas, desenvolveu-se na história um rio impuro, que envenena a geografia da história humana. O grande pensador francês Blaise Pascal falou de uma “segunda natureza”, que se sobrepõe à nossa natureza originária, boa. Esta “segunda natureza” faz sobressair o mal como normal para o homem. Assim também a expressão habitual: “Isto é humano” pode querer dizer: este homem é bom, realmente age como deveria agir um homem. Mas “isto é humano” também pode significar falsidade: o mal é normal, é humano. O mal parece ter-se tornado uma segunda natureza. Esta contradição do ser humano, da nossa história deve provocar, e provoca também hoje, o desejo de redenção. E, na realidade, o desejo que o mundo seja mudado e a promessa que será criado um mundo de justiça, de paz, de bem, está presente em toda a parte: na política, por exemplo, todos falam desta necessidade de mudar o mundo, de criar um mundo mais justo. É precisamente esta a expressão do desejo que haja uma libertação da contradição que experimentamos em nós próprios.
E assim perguntamos de novo: o que diz a fé, testemunhada por São Paulo? Como primeiro ponto, ela confirma o fato da competição entre as duas naturezas, o fato deste mal cuja sombra pesa sobre toda a criação. Ouvimos o capítulo 7 da Carta aos Romanos, poderíamos acrescentar o capítulo 8. O mal simplesmente existe. Como explicação, em contraste com os dualismos e os monismos que consideramos brevemente e que achamos desoladores, a fé diz-nos: existem dois mistérios de luz e um mistério de trevas, que contudo está envolvido pelos mistérios de luz. O primeiro mistério de luz é este: a fé diz-nos que não existem dois princípios, um bom e um mau, mas há um só princípio, o Deus criador, e este princípio é bom, só bom, sem sombra de mal. E por isso também o ser não é uma mistura de bem e mal; o ser como tal é bom e por isso é bom ser, é bom viver. É esta a boa nova da fé: há apenas uma fonte boa, o Criador. E por isso viver é um bem, é bom ser um homem, uma mulher, a vida é boa. Depois segue-se um mistério de escuridão, de trevas. O mal não provém da fonte do próprio ser, não tem a mesma origem. O mal vem de uma liberdade criada, de uma liberdade abusada.
Como foi possível, como aconteceu? Isto permanece obscuro. O mal não é lógico. Só Deus e o bem são lógicos, são luz. O mal permanece misterioso. Apresentá-lo com grandes imagens, como faz o capítulo 3 do Gênesis, com aquela visão das duas árvores, da serpente, do homem pecador. Uma grande imagem que nos faz adivinhar, mas não pode explicar quanto é em si mesmo ilógico. Podemos adivinhar, não explicar; nem sequer o podemos contar como um fato ao lado do outro, porque é uma realidade mais profunda. Permanece um mistério de escuridão, de trevas. Mas acrescenta-se imediatamente um mistério de luz. O mal vem de uma fonte subordinada. Deus com a sua luz é mais forte. E por isso o mal pode ser superado. Portanto a criatura, o homem, é curável. As visões dualistas, também o monismo do evolucionismo, não podem dizer que o homem é curável; mas se o mal só vem de uma fonte subordinada, é uma verdade que o homem é curável. E o livro da Sabedoria diz: “São salutares as criaturas do mundo” (1, 14 vulg). E finalmente, último aspecto, o homem não é só curável, de facto está curado. Deus introduziu a cura. Entrou pessoalmente na história. Opôs à fonte permanente do mal uma fonte de bem puro. Cristo crucificado e ressuscitado, novo Adão, opõe ao rio impuro do mal um rio de luz. E este rio está presente na história: vejamos os santos, os grandes santos mas também os santos humildes, os simples fiéis. Vemos que o rio de luz que provém de Cristo está presente, é forte.
Irmãos e irmãs, é tempo de Advento. Na linguagem da Igreja a palavra Advento tem dois significados: presença e expectativa. Presença: a luz está presente, Cristo é o novo Adão, está conosco e no meio de nós. Já resplandece a luz e devemos abrir os olhos do coração para ver a luz e para nos introduzirmos no rio da luz. Estar sobretudo gratos pelo fato de que o próprio Deus entrou na história como nova fonte de bem. Mas Advento significa também expectativa. A noite escura do mal ainda é forte. E por isso rezemos no Advento com o antigo povo de Deus: “Rorate caeli desuper“. E rezemos com insistência: vem Jesus, dá força à luz e ao bem; vem onde dominam a mentira, a ignorância de Deus, a violência, a injustiça, vem, Senhor Jesus, dá força ao bem no mundo e ajuda-nos a ser portadores da tua luz, artífices da paz, testemunhas da verdade. Vem Senhor Jesus!
Fonte: PAPA EMÉRITO BENTO XVI AUDIÊNCIA GERAL Quarta-feira, 3 de Dezembro de 2008