Dirigindo-se aos batizados como a crianças recém-nascidas, o apóstolo Pedro escreve:
“Agarrando-vos a Ele pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus, vós também, quais pedras vivas, sois usados na construção de um edifício espiritual, por meio de um sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais que serão agradáveis a Deus, por Jesus Cristo… Vós, porém, sois a raça eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo que Deus adquiriu para anunciar as maravilhas d’Aquele que vos chamou das trevas à Sua luz admirável …” (1 Pd 2, 4-5. 9).
Eis um novo aspecto da graça e da dignidade batismal:
Os fiéis leigos participam, por sua vez, no tríplice múnus — sacerdotal, profético e real — de Jesus Cristo. Trata-se de um aspecto que a tradição viva da Igreja nunca esqueceu, como resulta, por exemplo, da explicação que Santo Agostinho deu do Salmo 26.
Escreve ele: “Davi foi ungido rei. Naquele tempo ungiam-se apenas o rei e o sacerdote. Nessas duas pessoas prefigurava-se o futuro único rei e sacerdote, Cristo (daí que “Cristo” venha de “crisma”). Não foi, porém, ungido apenas a nossa Cabeça, mas fomos ungidos também nós, Seu corpo… Por isso, a unção diz respeito a todos os cristãos, quando no tempo do Antigo Testamento pertencia apenas a duas pessoas. Deduz-se claramente sermos nós o corpo de Cristo, do fato de sermos todos ungidos e de todos sermos n’Ele “cristos” e Cristo, porque, de certa forma, a Cabeça e o corpo formam o Cristo na sua integridade”.
Nas pisadas do Concílio Vaticano II, propus-me, desde o início do meu serviço pastoral, exaltar a dignidade sacerdotal, profética e real de todo o Povo de Deus, afirmando: “Aquele que nasceu da Virgem Maria, o Filho do carpinteiro — como o julgavam — o Filho do Deus vivo, como confessou Pedro, veio para fazer de todos nós “um reino de sacerdotes”. O Concílio Vaticano II recordou-nos o mistério deste poder e o fato de que a missão de Cristo — Sacerdote, Profeta-Mestre, Rei — continua na Igreja. Todos, todo o Povo de Deus participa nesta tríplice missão”.
Com esta Exortação mais uma vez convido os fiéis leigos a reler, a meditar e a assimilar com inteligência e com amor a rica e fecunda doutrina do Concílio sobre a sua participação no tríplice múnus de Cristo. Eis agora em síntese os elementos essenciais dessa doutrina.
O múnus sacerdotal
Os fiéis leigos participam no múnus sacerdotal pelo qual Jesus se ofereceu a Si mesmo sobre a Cruz e continuamente Se oferece na celebração da Eucaristia para glória do Pai e pela salvação da humanidade. Incorporados em Cristo Jesus, os batizados unem-se a Ele e ao Seu sacrifício, na oferta de si mesmos e de todas as suas atividades (cf. Rom 12, 1-2). Ao falar dos fiéis leigos, o Concílio diz: “Todos os seus trabalhos, orações e empreendimentos apostólicos, a vida conjugal e familiar, o trabalho de cada dia, o descanso do espírito e do corpo, se forem feitos no Espírito, e as próprias incomodidades da vida, suportadas com paciência, se tornam em outros tantos sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo (cf. 1 Ped 2, 5); sacrifícios estes que são piedosamente oferecidos ao Pai, juntamente com a oblação do corpo do Senhor, na celebração da Eucaristia. E deste modo, os leigos, agindo em toda a parte santamente, como adoradores, consagram a Deus o próprio mundo”.
O múnus profético de Cristo
A participação no múnus profético de Cristo, “que, pelo testemunho da vida e pela força da palavra, proclamou o Reino do Pai”, habilita e empenha os fiéis leigos a aceitar, na fé, o Evangelho e a anunciá-lo com a palavra e com as obras, sem medo de denunciar corajosamente o mal. Unidos a Cristo, o “grande profeta” (Lc 7, 16), e constituídos no Espírito “testemunhas” de Cristo Ressuscitado, os fiéis leigos tornam-se participantes quer do sentido de fé sobrenatural da Igreja que “não pode errar no crer” quer da graça da palavra (At 2, 17-18; Ap 19,10); eles são igualmente chamados a fazer brilhar a novidade e a força do Evangelho na sua vida quotidiana, familiar e social, e a manifestar, com paciência e coragem, nas contradições da época presente, a sua esperança na glória “também por meio das estruturas da vida secular”.
O múnus real
Ao pertencerem a Cristo Senhor e Rei do universo, os fiéis leigos participam no Seu múnus real e por Ele são chamados para o serviço do Reino de Deus e para a sua difusão na história. Vivem a realeza cristã, sobretudo no combate espiritual para vencerem dentro de si o reino do pecado (cf. Rom 6, 12), e depois, mediante o dom de si, para servirem, na caridade e na justiça, o próprio Jesus presente em todos os seus irmãos, sobretudo nos mais pequeninos ( Mt 25, 40).
Mas os fiéis leigos são chamados de forma particular a restituir à criação todo o seu valor originário. Ao ordenar as coisas criadas para o verdadeiro bem do homem, com uma ação animada pela vida da graça, os fiéis leigos participam no exercício do poder com que Jesus Ressuscitado atrai a Si todas as coisas e as submete, com Ele mesmo, ao Pai, por forma a que Deus seja tudo em todos (1 Cor 15, 28; Jo 12, 32).
A participação dos fiéis leigos no tríplice múnus de Cristo Sacerdote, Profeta e Rei encontra a sua raiz primeira na unção do Batismo, o seu desenvolvimento na Confirmação e a sua perfeição e sustento dinâmico na Eucaristia. É uma participação que se oferece a cada um dos fiéis leigos, mas enquanto formam o único corpo do Senhor. Com efeito, é a Igreja que Jesus enriquece com os Seus dons, qual Seu Corpo e Sua Esposa. Assim, os indivíduos participam no tríplice múnus de Cristo enquanto membros da Igreja, como claramente ensina o apóstolo Pedro, que define os batizados como “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo que Deus adquiriu” (1 Ped 2, 9). Precisamente por derivar da comunhão eclesial, a participação dos fiéis leigos no tríplice múnus de Cristo exige ser vivida e atuada na comunhão e para o crescimento da mesma comunhão. Escrevia Santo Agostinho: “Como chamamos a todos cristãos em virtude do místico crisma, assim a todos chamamos sacerdotes porque são membros do único Sacerdote”.
Fonte: parte da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifidelis Laici de São João Paulo II sobre a Vocação e Missão dos fiéis leigos na Igreja e no Mundo.
