A Saudação do Anjo a Maria.
Na tradução italiana, o Anjo diz: “Saúdo-te, Maria“. Mas a palavra grega subjacente, “Kaire”, significa por si só “rejubila”, “alegra-te”. E aqui está o primeiro elemento que surpreende: a saudação entre os judeus era “Shalom”, “paz”, enquanto a saudação no mundo grego era “Kaire”, “alegra-te”. É surpreendente que o Anjo, ao entrar na casa de Maria, cumprimente com a saudação dos gregos: “Kaire”, “alegra-te, rejubila”. E quando os gregos, quarenta anos mais tarde, leram este Evangelho, puderam ver nele uma mensagem importante: puderam compreender que com o início do Novo Testamento, a que se referia esta página de Lucas, teve lugar também a abertura ao mundo dos povos, à universalidade do Povo de Deus, que incluía não só o povo hebreu, mas também o mundo na sua totalidade, todos os povos. Nesta saudação grega do Anjo manifesta-se a nova universalidade do Reino do verdadeiro Filho de Davi.
“Rejubila, alegra-te!”
Somente com este diálogo, que o anjo Gabriel tem com Maria, começa realmente o Novo Testamento. Portanto, podemos dizer que a primeira palavra do Novo Testamento é um convite à alegria: “rejubila, alegra-te!”. O Novo Testamento é verdadeiramente “Evangelho”, a “Boa Nova” que nos traz alegria. Deus não está distante de nós, não é desconhecido, enigmático, talvez perigoso. Deus está próximo de nós, tão próximo que se faz criança, e nós podemos tratar este Deus por “tu”.
Viviam num mundo de medo.
Sobretudo o mundo grego sentiu esta novidade, sentiu profundamente esta alegria, porque para eles não era claro se existia um Deus bom ou um Deus mau, ou simplesmente nenhum Deus. A religião dessa época falava-lhes de muitas divindades: por isso, sentiam-se circundados por numerosas divindades, uma em contraste com a outra, a ponto de temerem que, se fizessem algo em favor de uma delas, a outra podia ofender-se e vingar-se. E assim, viviam num mundo de medo, circundados por demônios perigosos, sem jamais saber como se salvar de tais forças, opostas entre si. Era um mundo de medo, um mundo obscuro.
E então ouviram dizer: “Rejubila, estes demônios nada são, existe o Deus verdadeiro e este Deus verdadeiro é bom, ama-nos, conhece-nos, está conosco, está conosco a ponto de se ter feito homem!”. Esta é a grande alegria que o cristianismo anuncia. Conhecer este Deus é verdadeiramente a “boa nova”, uma palavra de redenção.
“Não tenhas medo, Maria!”
A segunda palavra, também do Anjo é: “Não tenhas medo, Maria!“. Na realidade, havia motivo para ter medo, pois como era grande o peso de carregar agora o fardo do mundo sobre si mesma, ser a mãe do Rei do Universo, ser a mãe do Filho de Deus! Um peso acima das forças de um ser humano! Mas o Anjo diz: “Não tenhas medo! Sim, tu carregas Deus, mas Deus carrega-te a ti. Não tenhas medo!”. Esta palavra: “Não tenhas medo!” sem dúvida penetrou profundamente no coração de Maria.
“Não tenhas medo, é Deus quem te carrega!”.
Nós podemos imaginar como, em várias situações, a Virgem voltou a refletir esta palavra, ouvindo-a de novo. No momento em que Simeão lhe diz: “Este teu filho será um sinal de contradição, uma espada traspassará o teu coração”, naquele momento em que ela podia ceder ao medo, Maria volta à palavra do Anjo e sente interiormente o eco da mesma: “Não tenhas medo, é Deus quem te carrega!”. E quando, durante a vida pública, se desencadeiam as contradições ao redor de Jesus, e muitos dizem: “É louco”, ela volta a pensar: “Não tenhas medo!” e prossegue em frente. Por fim, no encontro ao longo do caminho do Calvário e depois aos pés da Cruz, quando tudo parece terminado, ela volta a ouvir no coração a palavra do Anjo: “Não tenhas medo!”. E assim, corajosamente, permanece ao lado do Filho moribundo e, sustentada pela fé, caminha rumo à Ressurreição, ao Pentecostes e à fundação da nova família da Igreja.
“Não tenhas medo, eu estou sempre contigo”.
“Não tenhas medo!”, Maria diz-nos, também a nós, esta palavra. Já recordei que este nosso mundo é um mundo de temores: medo da miséria e da pobreza, medo das enfermidades e dos sofrimentos, medo da solidão e medo da morte. Neste nosso mundo, temos um sistema de certezas muito desenvolvido: é bom que elas existam. Contudo, sabemos que no momento do sofrimento profundo, na hora da última solidão da morte, nenhuma certeza poderá proteger-nos. A única certeza válida em tais momentos é a aquela nos provém do Senhor, que nos diz também a nós: “Não tenhas medo, eu estou sempre contigo”. Nós podemos vacilar, mas no final caímos nas mãos de Deus, e as mãos de Deus são benignas.
“Eu sou a Serva do Senhor. Faça-se em mim, segundo a tua vontade“.
A terceira palavra: no fim do diálogo, Maria responde ao Anjo: “Eu sou a Serva do Senhor. Faça-se em mim, segundo a tua vontade“. Assim, Maria antecipa a terceira invocação do Pai-Nosso: “Seja feita a vossa vontade”. Ela diz “sim” à grande vontade de Deus, uma vontade aparentemente demasiado grande para um ser humano; Maria diz “sim” àquela vontade divina, coloca-se dentro desta vontade, insere toda a sua existência, com um grande “sim”, na vontade de Deus e assim abre a porta do mundo a Deus.
A vontade de Deus não é um peso.
Adão e Eva, com o seu “não” à vontade de Deus, tinham fechado esta porta. “Seja feita a vontade de Deus”: Maria convida-nos, também a nós, a pronunciar este “sim”, que às vezes parece tão difícil. Somos tentados a preferir a nossa vontade, mas Ela diz-nos: “Tem coragem, também tu diz: “Seja feita a tua vontade”, porque esta vontade é boa”. Inicialmente, pode parecer um peso insuportável, um jugo que não é possível carregar; mas na realidade, a vontade de Deus não é um peso; a vontade de Deus concede-nos asas para voar alto, e assim com Maria também nós podemos ousar abrir a Deus a porta da nossa vida, as portas deste mundo, dizendo “sim” à sua vontade, conscientes de que esta vontade é o verdadeiro bem e nos orienta para a felicidade autêntica.
Fonte: Parte da Homilia do Papa Emérito Bento XVI durante a celebração Eucarística na Paróquia Romana de Santa Maria Consoladora. Domingo, 18 de Dezembro de 2005.