A profissão de fé que fazemos no Credo quando proclamamos que Jesus Cristo ‘ao terceiro dia ressuscitou de entre os mortos’, apoia-se nos textos evangélicos que, por sua vez, transmitem-nos e fazem conhecer a primeira pregação dos Apóstolos. Destas fontes resulta que a fé na ressurreição é, desde o começo, uma convicção apoiada em um fato, em um acontecimento real, e não um mito ou uma ‘concepção’, uma ideia inventada pelos Apóstolos ou produzida pela comunidade pós-pascal reunida em torno dos Apóstolos em Jerusalém, para superar junto com eles o sentido de desilusão conseguinte à morte de Cristo na cruz. Dos textos resulta justamente o contrário e por isso, como eu disse, tal hipótese é também crítica e historicamente insustentável. Os Apóstolos e os discípulos não inventaram a ressurreição (e é fácil compreender que eram totalmente incapazes de uma ação semelhante). Não há traços de uma exaltação pessoal sua ou de grupo, que lhes tenha levado a conjeturar um acontecimento desejado e esperado e a projetá-lo na opinião e na crença comum como real, quase por contraste e como compensação da desilusão padecida. Não há traços de um processo criativo de ordem psicológica, sociológica ou literária nem sequer na comunidade primitiva ou nos autores dos primeiros séculos. Os Apóstolos foram os primeiros que acreditaram, não sem fortes resistências, que Cristo tinha ressuscitado simplesmente porque viveram a ressurreição como um acontecimento real de qual puderam convencer-se pessoalmente ao encontrar-se várias vezes com Cristo novamente vivo, ao longo de quarenta dias. As sucessivas gerações cristãs aceitaram aquele testemunho, confiando-se nos Apóstolos e em outros discípulos como testemunhas acreditáveis. A fé cristã na ressurreição de Cristo está ligada, pois, a um fato, que tem uma dimensão histórica precisa.

E entretanto, a ressurreição é uma verdade que, em sua dimensão mais profunda, pertence à Revelação divina: em efeito, foi anunciada gradualmente de antemão por Cristo ao longo de sua atividade messiânica durante o período pré-pascal. Muitas vezes predisse Jesus explicitamente que, depois de ter sofrido muito e ser executado, ressuscitaria. Assim, no Evangelho do Marcos, diz-se que depois da proclamação do Pedro nas proximidades da Cesaréia do Filipe, Jesus ‘começou a lhes ensinar que o Filho do homem devia sofrer muito e ser reprovado pelos anciões, os sumos sacerdotes e os escribas, ser morto e ressuscitar aos três dias. Falava disto abertamente’ (Mc 8, 31-32). Também segundo Marcos, depois da transfiguração, ‘quando desciam do monte lhes ordenou que a ninguém contassem o que tinham visto até que o Filho do homem ressuscitasse de entre os mortos’ (Mc 9. 9). Os discípulos ficaram perplexos sobre o significado daquela ‘ressurreição’ e passaram à questão, e agitada no mundo judeu, do retorno do Elias (Mc 9, 11): mas Jesus reafirmou a ideia de que o Filho do homem deveria ‘sofrer muito e ser desprezado’ (Mc 9, 12). depois da cura do epilético endemoniado, no caminho da Galileia percorrido quase clandestinamente, Jesus toma de novo a palavra para instrui-los: ‘O Filho do homem será entregue em mãos dos homens; o matarão e aos três dias de ter morrido ressuscitará’. ‘Mas eles não entendiam o que lhes dizia e temiam lhe perguntar’ (Mc 9, 31-32). É o segundo anúncio da paixão e ressurreição, ao que segue o terceiro, quando já se encontram em caminho para Jerusalém: ‘Olhem que subimos a Jerusalém, e o Filho do homem será entregue aos sumos sacerdotes e os escribas; a condenarão à morte e o entregarão aos gentis, e se burlarão dele, cuspirão nele, o açoitarão e o matarão, e aos três dias ressuscitará’ (Mc 10, 33-34).

Estamos aqui ante uma previsão profética dos acontecimentos, em que Jesus exercita sua função de revelador, pondo em relação a morte e a ressurreição unificadas na finalidade redentora, e referindo-se ao intuito divino segundo o qual tudo o que prevê e prediz ‘deve’ acontecer. Jesus, portanto, faz conhecer os discípulos estupefatos e inclusive assustados algo do mistério teológico que subjaz nos próximos acontecimentos, como o resto de toda a sua vida. Outros brilhos deste mistério se encontram na alusão ao ‘sinal do Jonas’ (Cfr. Mt 12, 40) que Jesus faz dele e aplica aos dias de sua morte e ressurreição, e no desafio aos judeus sobre ‘a reconstrução em três dias do templo que será destruído’ (Cfr. Jo 2, 19). João anota que Jesus ‘falava do Santuário de seu corpo. Quando ressuscitou, pois, de entre os mortos, lembraram-se seus discípulos de que havia dito isso, e acreditaram na Escritura e nas palavras que havia dito Jesus’ (Jo 2 20-21). Uma vez mais nos encontramos diante da relação entre a ressurreição de Cristo e sua Palavra, diante de seus anúncios ligados ‘às Escrituras’.

Mas além das palavras do Jesus, também a atividade messiânica desenvolvida por Ele no período pré-pascal mostra o poder de que dispõe sobre a vida e sobre a morte, e a consciência deste poder, como a ressurreição da filha do Jairo (Mc 5, 39-42), a ressurreição do jovem de Naim (Lc 7, 12-15), e sobre tudo a ressurreição do Lázaro (Jo 11, 42-44) que se apresenta no quarto Evangelho como um anúncio e uma prefiguração da ressurreição de Jesus. Nas palavras dirigidas a Marta durante este último episódio se tem a clara manifestação da autoconsciência de Jesus respeito da sua identidade de Senhor da vida e da morte e de possuidor das chaves do mistério da ressurreição: ‘Eu sou a ressurreição. quem acredita em mim, embora morra, viverá; e tudo o que vive e acredita em mim, não morrerá jamais’ (Jo 11, 25-26).

Tudo são palavras e fatos que contêm de formas diversas a revelação da verdade sobre a ressurreição no período pré-pascal.

No âmbito dos acontecimentos pascais, o primeiro elemento diante do que nos encontramos é o ‘sepulcro vazio’. Sem dúvida não é por si mesmo uma prova direta. A Ausência do corpo de Cristo no sepulcro no qual tinha sido depositado poderia explicar-se de outra forma, como de fato pensou por um momento Maria Madalena quando, vendo o sepulcro vazio, supôs que alguém haveria roubado o corpo de Jesus (Cfr. Jo 20, 15). Mais ainda, o Sinédrio tentou fazer correr a voz de que, enquanto dormiam os soldados, o corpo tinha sido roubado pelos discípulos. ‘E se correu essa versão entre os judeus, (anota Mateus) até o dia de hoje’ (MT 28, 12-15).

Apesar disto o ‘sepulcro vazio’ constituiu para todos, amigos e inimigos, um sinal impressionante. Para as pessoas de boa vontade seu descobrimento foi o primeiro passo para o reconhecimento do ‘feito’ da ressurreição como uma verdade que não podia ser refutada.

Assim foi acima de tudo para as mulheres, que muito de cedo de manhã se aproximaram do sepulcro para ungir o corpo de Cristo. Foram as primeiras em acolher o anúncio: ‘ressuscitou, não está aqui… Mas ide dizer aos seus discípulos e ao Pedro…’ (Mc 16, 6-7). ‘Lembrem como lhes falou quando estava ainda na Galiléia, dizendo: ‘É necessário que o Filho do homem seja entregue em mãos dos pecadores e seja crucificado, e ao terceiro dia ressuscite!. E elas lembraram as suas palavras’ “(Lc 24, 6-8).

Certamente as mulheres estavam surpreendidas e assustadas (Cfr. Mc 24, 5). Nem sequer elas estavam dispostas a render-se muito facilmente a um fato que, até predito pelo Jesus, estava efetivamente por cima de toda possibilidade de imaginação e de invenção. Mas na sua sensibilidade e fineza intuitiva elas, e especialmente Maria Madalena, aferraram-se à realidade e correram aonde estavam os Apóstolos para lhes dar a alegre noticia.

O Evangelho de Mateus (28, 8-10) informa-nos que com o passar do caminho Jesus mesmo lhes saiu ao encontro as cumprimentou e lhes renovou o mandato de levar o anúncio aos irmãos (Mt 28, 10). Desta forma as mulheres foram as primeiras mensageiras da ressurreição de Cristo, e o foram para os mesmos Apóstolos (Lc 24, 10). Fato eloquente sobre a importância da mulher já nos dias do acontecimento pascal!

Entre os que receberam o anúncio da Maria Madalena estavam Pedro e João (Cfr. Jo 20, 3-8). Eles se aproximaram do sepulcro não sem hesitações, quanto mais quanto que Maria lhes tinha falado de uma sustração do corpo de Jesus do sepulcro (Cfr. Jo 20, 2). Chegados ao sepulcro, também o encontraram vazio. Terminaram acreditando, depois de ter duvidado não pouco, porque, como diz João, ‘até então não tinham compreendido que segundo a Escritura Jesus devia ressuscitar de entre os mortos’ (Jo 20, 9).

Digamos a verdade: o fato era assombroso para aqueles homens que se encontravam ante coisas muito superiores a eles. A mesma dificuldade, que mostram as tradições do acontecimento, ao dar uma relação disso plenamente coerente, confirma seu caráter extraordinário e o impacto desconcertante que teve no ânimo das afortunadas testemunhas. A referência ‘à Escritura’ é a prova da escura percepção que tiveram ao encontrar-se diante de um mistério sobre o que só a Revelação podia dar luz.

Entretanto, eis aqui outro dado que se deve considerar bem: se o ‘sepulcro vazio’ deixava estupefatos a primeira vista e podia inclusive gerar acerta suspeita, o gradual conhecimento deste fato inicial, como o anotam os Evangelhos, terminou levando a descobrimento da verdade da ressurreição.

Em efeito, nos diz que as mulheres, e sucessivamente os Apóstolos, encontraram-se ante um ‘sinal’ particular: o sinal da vitória sobre a morte. Se o sepulcro mesmo fechado por uma pesada laje, testemunhava a morte, o sepulcro vazio e a pedra removida davam o primeiro anúncio de que ali tinha sido derrotada a morte.

Não pode deixar de impressionar a consideração do estado de ânimo das três mulheres, que dirigindo-se ao sepulcro à alvorada se diziam entre si: ‘Quem nos retirará a pedra da porta do sepulcro?’ (Mc 16, 3), e que depois, quando chegaram ao sepulcro, com grande maravilha constataram que ‘a pedra estava corrida embora era muito grande’ (Mc 16, 4). Segundo o Evangelho do Marcos encontraram no sepulcro a alguém que lhes deu o anúncio da ressurreição (Cfr. Mc 16, 5); mas elas tiveram medo e, apesar das afirmações do jovem vestido de branco, ‘saíram fugindo do sepulcro, pois um grande tremor e espanto se apoderou  delas’ (Mc 16, 8). Como não compreende-las? E entretanto a comparação com os textos paralelos de outros Evangelistas permite afirmar que, embora temerosas, as mulheres levaram o anúncio da ressurreição, da que o ‘sepulcro vazio’ com a pedra corrida foi o primeiro sinal.

Para as mulheres e para os Apóstolos o caminho aberto pelo ‘sinal’ conclui-se mediante o encontro com o Ressuscitado: então a percepção até tímida e incerta se converte em convicção e, mais ainda, em fé naquele que ‘ressuscitou verdadeiramente’. Assim aconteceu com as mulheres que ao ver o Jesus em seu caminho e escutar sua saudação, jogaram-se a seus pés e o adoraram (Cfr. MT 28, 9). Assim aconteceu especialmente a Maria Madalena, que ao escutar que Jesus lhe chamava por seu nome, dirigiu-lhe antes que nada o apelativo habitual: Rabbuni, Mestre! (Jo 20, 16) e quando Ele a iluminou sobre o mistério pascal correu radiante a levar o anúncio aos discípulos: ‘Vi o Senhor!’ (Jo 20, 18). O mesmo ocorreu aos discípulos reunidos no Cenáculo que a tarde daquele ‘primeiro dia depois do sábado’, quando viram finalmente entre eles a Jesus, sentiram-se felizes pela nova certeza que tinha entrado em seu coração: ‘alegraram-se ao ver o Senhor’ (Cfr. Jo 20,19-20).

O contato direto com Cristo desencadeia a faísca que faz saltar a fé!

Fonte: Catequese de São João Paulo II – 1° de fevereiro de 1989