O plano divino da salvação, que nos foi revelado plenamente com a vinda de Cristo, é eterno. Ele compreende em si todos os homens, mas reserva um lugar singular à “mulher” que foi a Mãe d’Aquele ao qual o Pai confiou a obra da salvação. Como explana o Concílio Vaticano II, “Maria encontra-se já profeticamente delineada na promessa da vitória sobre a serpente, feita aos primeiros pais caídos no pecado”, segundo o Livro do Génesis 3, 15. “Ela é, igualmente, a Virgem que conceberá e dará à luz um Filho, cujo nome será Emanuel” segundo as palavras de Isaías 7, 14. Deste modo, o Antigo Testamento prepara aquela “plenitude dos tempos”, quando Deus haveria de enviar “o seu Filho, nascido duma mulher …, para que nós recebêssemos a adoção como filhos”. A vinda ao mundo do Filho de Deus e o acontecimento narrado nos primeiros capítulos dos Evangelhos segundo São Lucas e segundo São Mateus.

Maria é introduzida no mistério de Cristo definitivamente mediante aquele acontecimento que foi a Anunciação do Anjo. Esta deu-se em Nazaré, em circunstâncias bem precisas da história de Israel, o povo que foi o primeiro destinatário das promessas de Deus. O mensageiro divino diz à Virgem: “Salve, ó cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lc 1, 28). Maria “perturbou-se e interrogava-se a si própria sobre o que significaria aquela saudação” (Lc 1, 29): que sentido teriam todas aquelas palavras extraordinárias, em particular, a expressão “cheia de graça” (kecharitoméne).

O esplendor da graça, a benção espiritual

Depois do anúncio do mensageiro celeste, a Virgem de Nazaré é chamada também a “bendita entre as mulheres” (Lc 1, 42), isso explica-se juntamente com a passagem em Efésios que se refere aquela bênção com que “Deus Pai” nos cumulou “no alto dos céus, em Cristo”. É uma bênção espiritual, que se refere a todos os homens e traz em si mesma a plenitude e a universalidade (“toda a sorte de bênçãos”), tal como brota do amor que, no Espírito Santo, une ao Pai o Filho consubstancial. Ao mesmo tempo, trata-se de uma bênção derramada por obra de Jesus Cristo na história humana até ao fim: sobre todos os homens. Mas esta bênção refere-se a Maria em medida especial e excepcional: ela, de fato, foi saudada por Isabel como “a bendita entre as mulheres”.

O motivo desta dupla saudação, portanto, está no fato de se ter manifestado na alma desta “filha de Sião”, em certo sentido, toda a “magnificência da graça”, daquela graça com que “o Pai … nos tornou agradáveis em seu amado Filho”. O mensageiro, efetivamente, saúda Maria como “cheia de graça”; e chama-lhe assim, como se este fosse o seu verdadeiro nome. Não chama a sua interlocutora com o nome que lhe é próprio segundo o registo terreno: “Miryam” ( = Maria); mas sim com este nome novo: “cheia de graça”. E o que significa este nome? Por que é que o Arcanjo chama desse modo à Virgem de Nazaré?

Na linguagem da Bíblia “graça” significa um dom especial, que, segundo o Novo Testamento, tem a sua fonte na vida trinitária do próprio Deus, de Deus que é amor. É fruto deste amor a “eleição”. Da parte de Deus esta “escolha” é a eterna vontade de salvar o homem, mediante a participação na sua própria vida divina em Cristo: é a salvação pela participação na vida sobrenatural. O efeito deste dom eterno, desta graça de eleição do homem por parte de Deus, é como que um gérmen de santidade, ou como que uma nascente a jorrar na alma do homem, qual dom do próprio Deus que, mediante a graça, vivifica e santifica os eleitos. Desta forma se verifica, isto é, se torna realidade aquela “bênção” do homem “com toda a sorte de bênçãos espirituais”, aquele “ser seus filhos adotivos … em Cristo”, ou seja, n’Aquele que é desde toda a eternidade o “Filho muito amado” do Pai.

Fonte: Parte da Carta Encíclica Redemptoris Mater, de São João Paulo II, sobre a Bem-Aventurada Virgem Maria, do ano 25 de março de 1987.