A conversão de São Paulo oferece-nos o modelo e indica-nos a vereda para caminhar rumo à plena unidade. Com efeito, a unidade exige uma conversão: da divisão à comunhão, da unidade ferida à recuperada e plena. Esta conversão é dom de Cristo ressuscitado, como aconteceu com São Paulo.
Ouvimos das próprias palavras do Apóstolo: Por graça de Deus sou aquele que sou” (1 Cor 15, 10). O próprio Senhor, que chamou Saulo no caminho de Damasco, dirige-se aos membros da sua Igreja que é una e santa e, chamando cada qual pelo nome, pergunta: por que me dividiste? Por que feriste a unidade do meu corpo?
A conversão implica duas dimensões:
Na primeira fase conhecem-se e reconhecem-se na luz de Cristo as culpas, e este reconhecimento torna-se dor e arrependimento, desejo de um novo início.
Na segunda, reconhece-se que este novo caminho não poder advir de nós mesmos. Consiste em deixar-se conquistar por Cristo. Como diz São Paulo: “…esforço-me por correr para O conquistar, porque também eu fui conquistado por Jesus Cristo” (Fl 3, 12). A conversão exige o nosso sim, o meu correr”; em última análise, não é uma iniciativa minha, mas dom, um deixar-se formar por Cristo; é morte e ressurreição. Por isso São Paulo não diz: Converti-me”, mas afirma “estou morto” (Gl 2, 19), sou uma nova criatura.
Na realidade, a conversão de São Paulo não foi uma passagem da imoralidade à moralidade. A sua moralidade era alta de uma fé errada a uma fé reta, fé verdadeira, embora fosse incompleta, mas foi o ser conquistado pelo amor de Cristo: a renúncia a própria perfeição, foi a humildade de quem se coloca sem reservas ao serviço de Cristo pelos irmãos. E só nesta renúncia a nós mesmos, nesta conformidade com Cristo, podemos estar unidos também entre nós, podemos tornar-nos “um só” em Cristo. É a comunhão com Cristo ressuscitado que nos confere a unidade.
Podemos observar uma interessante analogia com a dinâmica da conversão de São Paulo também meditando sobre o texto bíblico do profeta Ezequiel (cf. 37, 15-28).  Efetivamente, nele é apresentado o gesto simbólico das duas varas unidas numa só, na mão do profeta que, com este gesto, representa a ação futura de Deus. É a segunda parte do capítulo 37, que na primeira parte contém a célebre visão dos ossos áridos e da ressurreição de Israel, realizada pelo Espírito de Deus. Como deixar de observar que o sinal profético da reunificação do povo de Israel é inserido depois do grande símbolo dos ossos áridos vivificados pelo Espírito? Daqui deriva um esquema teológico análogo ao da conversão de São Paulo: em primeiro lugar está o poder de Deus que, com o seu Espírito, realiza a ressurreição como uma nova criação. Este Deus, que é o Criador e tem o poder de ressuscitar os mortos, também é capaz de reconduzir para a unidade o povo dividido em dois.
Paulo como e mais do que Ezequiel torna-se instrumento eleito da pregação da unidade conquistada por Jesus mediante a Cruz e a ressurreição: a unidade entre judeus e pagãos, para formar um único povo novo. Portanto, a ressurreição de Cristo estende o perímetro da unidade: não só unidade das tribos de Israel, mas unidade de judeus e pagãos (cf. Ef 2; Jo 10, 16); unificação da humanidade dispersa pelo pecado e ainda mais unidade de todos os crentes em Cristo.
Fonte: Parte da homilia do Papa Emérito Bento XVI por ocasião da Celebração das Segundas Vésperas da Solenidade da Conversão de São Paulo no encerramento da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Basílica de São Paulo fora dos Muros. Domingo, 25 de Janeiro de 2009.