A vida consagrada, dom à Igreja
A presença universal da vida consagrada e o carácter evangélico do seu testemunho provam, com toda a evidência — caso isso fosse ainda necessário —, que ela não é uma realidade isolada e marginal, mas diz respeito a toda a Igreja. Na verdade, a vida consagrada está colocada mesmo no coração da Igreja , como elemento decisivo para a sua missão, visto que « exprime a íntima natureza da vocação cristã » e a tensão da Igreja-Esposa para a união com o único Esposo. A função de ajuda e apoio exercida pela vida consagrada à Igreja não se restringe aos tempos passados, mas continua a ser um dom precioso e necessário também no presente e para o futuro do Povo de Deus, porque pertence intimamente à sua vida, santidade e missão.
As dificuldades atuais, que vários Institutos encontram nalgumas regiões do mundo, não devem induzir a pôr em dúvida o fato de que a profissão dos conselhos evangélicos é parte integrante da vida da Igreja, à qual presta um impulso precioso em ordem a uma coerência evangélica cada vez maior. Historicamente poderá haver uma sucessiva variedade de formas, mas não mudará a substância de uma opção que se exprime na radicalidade do dom de si mesmo por amor do Senhor Jesus e, n’Ele, por amor de cada membro da família humana. Sobre esta certeza que animou inúmeras pessoas ao longo dos séculos, o povo cristão continua a esperar , sabendo bem que, da ajuda destas almas generosas, pode receber um apoio muito válido no seu caminho para a pátria celestial.
A obra do Espírito, nas várias formas de vida consagrada
Como não recordar, cheios de gratidão ao Espírito, a abundância das formas históricas de vida consagrada, por Ele suscitadas e continuamente mantidas no tecido eclesial? Assemelham-se a uma planta com muitos ramos, que assenta as suas raízes no Evangelho e produz frutos abundantes em cada estação da Igreja. Que riqueza extraordinária! Eu mesmo, senti a necessidade de sublinhar este elemento constante na história da Igreja: a multidão de fundadores e fundadoras, de santos e santas, que escolheram seguir Cristo na radicalidade do Evangelho e no serviço fraterno. Precisamente neste serviço resulta, com particular evidência, como a vida consagrada manifesta o carácter unitário do mandamento do amor, na sua conexão indivisível entre o amor de Deus e o amor do próximo.
A vida religiosa apostólica
No Ocidente, floresceram ao longo dos séculos muitas outras expressões de vida religiosa, nas quais inúmeras pessoas, renunciando ao mundo, se consagraram a Deus, através da profissão pública dos conselhos evangélicos segundo um carisma específico e numa forma estável de vida comum, para um serviço apostólico pluriforma ao Povo de Deus. Temos, assim, as diversas famílias de Cônegos regulares, as Ordens mendicantes, os Clérigos regulares, e as Congregações religiosas masculinas e femininas, em geral, dedicadas à atividade apostólica e missionária e às múltiplas obras que a caridade cristã suscitou.
É um testemunho esplêndido, onde se reflete a multiplicidade dos dons dispensados por Deus aos fundadores e fundadoras que, abertos à ação do Espírito Santo, souberam interpretar os sinais dos tempos e responder, de forma esclarecida, às exigências que sucessivamente iam aparecendo. Seguindo os seus passos, muitas outras pessoas procuraram, com a palavra e a ação, encarnar o Evangelho na própria existência, para apresentar aos seus contemporâneos a presença viva de Jesus, o Consagrado por excelência e o Apóstolo do Pai. É em Cristo Senhor que se devem continuar a rever os religiosos e religiosas de cada época, alimentando na oração uma profunda comunhão de sentimentos com Ele (cf. Fil 2,5-11), para que toda a sua vida seja permeada de espírito apostólico, e toda a ação apostólica seja repassada de contemplação (18).
Os Institutos seculares
O Espírito Santo, artífice admirável da diversidade de carismas, suscitou no nosso tempo novas expressões de vida consagrada, como que desejando corresponder, segundo um desígnio providencial, às novas necessidades que a Igreja encontra hoje no cumprimento da sua missão no mundo.
Vêm ao pensamento, antes de mais, os Institutos seculares, cujos membros pretendem viver a consagração a Deus no mundo, através da profissão dos conselhos evangélicos no contexto das estruturas temporais, para serem assim fermento de sabedoria e testemunhas da graça no âmbito da vida cultural, económica e política. Através da síntese de secularidade e consagração, que os caracteriza, eles querem infundir na sociedade as energias novas do Reino de Cristo, procurando transfigurar o mundo a partir de dentro com a força das bem-aventuranças. Desta forma, ao mesmo tempo que a pertença total a Deus os torna plenamente consagrados ao seu serviço, a sua atividade nas condições normais dos leigos contribui, sob a ação do Espírito, para a animação evangélica das realidades seculares. Os Institutos seculares contribuem assim para garantir à Igreja, segundo a índole específica de cada um, uma presença incisiva na sociedade.
Também realizam uma função preciosa os Institutos seculares clericais, onde sacerdotes pertencentes ao presbitério diocesano — mesmo quando lhes é reconhecida a incardinação no próprio Instituto — se consagram a Cristo através da prática dos conselhos evangélicos segundo um específico carisma. Eles encontram, nas riquezas espirituais do próprio Instituto a que pertencem, uma grande ajuda para viver intensamente a espiritualidade própria do sacerdócio e ser assim fermento de comunhão e generosidade apostólica entre os seus irmãos.
Fonte: Trechos da Exortação Apostólica Vita Consecrata de São João Paulo II – https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_25031996_vita-consecrata.html