A ressurreição de Cristo nos diz respeito e é um mistério “para nós”, porque fundamenta a esperança da nossa própria ressurreição da morte:
“E se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais, mediante o seu Espírito que habita em vós” (Rm 8, 11).
A fé cristã na ressurreição dos mortos responde, além disso, ao desejo mais instintivo do coração humano. Nós – diz Paulo – não queremos ser despojados do nosso corpo, mas revestidos, ou seja, não queremos sobreviver com uma parte somente do nosso ser – a alma – , mas com todo o nosso eu, alma e corpo; por isso, não desejamos que o nosso corpo mortal seja destruído, mas que “seja absorvido pela vida” e se vista, ele próprio, de imortalidade (cf. 2 Cor 5, 1-5; 1 Cor 15, 51-53).
Da vida eterna, nós não só temos nesta vida uma promessa: nós também temos “as primícias” e o “sinal” (ou arras, ndt). Jamais se deveria traduzir o termo grego arrabôn usado por São Paulo a respeito do Espírito (2 Cor 1, 22; 5,5; Ef 1, 14) com “penhor” (pignus), mas só com sinal. Santo Agostinho explicou muito bem a diferença. O penhor, diz, não é o começo do pagamento, mas algo que se dá enquanto se espera o pagamento; assim que o pagamento é feito, o penhor é devolvido. Não acontece isso com o sinal. Ele não é devolvido no momento do pagamento, mas completado. Já faz parte do pagamento. Se Deus, por meio do seu Espírito, nos deu como sinal o amor, quando nos for dada toda a realidade, nos será tirado o sinal? Certamente que não, mas o que já foi dado será completado.
Como “as primícias” anunciam a safra cheia e são parte dela, assim o sinal é parte da posse plena do Espírito. É o “Espírito que habita em nós” (Rm 8,11), mais que a imortalidade da alma, que garante, como se vê, a continuidade entre a nossa vida presente e aquela futura.
Sobre o modo da ressurreição, naquela mesma ocasião Jesus afirma a condição espiritual dos ressuscitados: “Aqueles que são considerados dignos do outro mundo e da ressurreição dos mortos, não tomam mulher nem marido; e nem podem mais morrer, porque são iguais aos anjos e, sendo filhos da ressurreição, são filhos de Deus”.
Foi feita uma tentativa de ilustrar a transição da condição terrestre para aquela de ressuscitados com exemplos tirados da natureza: a semente da qual brota a árvore, a natureza morta no inverno que ressurge na primavera, a lagarta que se transforma em uma borboleta. Paulo simplesmente diz: “semeado corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; semeado desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo psíquico ressuscita corpo espiritual”(1 Cor 15, 42- 44).
A verdade é que tudo o que diz respeito à nossa condição no pós-vida permanece um mistério impenetrável; não porque Deus quis mantê-lo escondido, mas porque, como somos forçados a pensar em tudo nas categorias de tempo e espaço, não temos as ferramentas para representá-lo. A eternidade não é uma entidade que existe a parte e que pode ser definida em si mesma, como se fosse um tempo esticado infinitamente. É o modo de ser de Deus. A eternidade é Deus! Entrar na vida eterna significa simplesmente ser admitidos, por graça, a compartilhar o modo de ser de Deus.
Tudo isso não teria sido possível se a eternidade não tivesse antes entrado no tempo. É em Cristo ressuscitado e graças a ele que nós podemos revestir o modo de ser de Deus. São Paulo se representa aquilo que o espera depois da morte como um “ir para estar com Cristo” (Fl 1,23). A mesma coisa pode ser deduzida a partir da palavra de Jesus ao bom ladrão: “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 43). O paraíso é um ser “com Cristo”, como seus “herdeiros”. A vida eterna é um reunir-se dos membros com a cabeça, um “apinhar-se” com ele na glória, depois de ter estado unido com ele no sofrimento (Rm 8,17).
Uma boa história contada por um escritor alemão moderno nos ajuda a nos dar um sentido de vida eterna mais do que todas as tentativas racionais de explicação. Em um mosteiro medieval moravam dois monges ligados entre si por profunda amizade espiritual. Um se chamava Rufus e o outro Rufinus. Em todo o seu tempo livre a única coisa que faziam era tentar imaginar e descrever como seria a vida eterna na Jerusalém celeste. Rufus que era um mestre-de-obras imaginava-a como uma cidade com portas de ouro, cravejada de pedras preciosas; Rufinus que era organista, como toda ressoante de celestes melodias.
No final, fizeram um pacto: qualquer um deles que tivesse morrido primeiro deveria voltar na noite seguinte, para garantir ao amigo que as coisas eram assim como eles haviam imaginado. Teria sido suficiente uma palavra. Se fosse como eles tinham pensado, se deveria dizer simplesmente: taliter!, ou seja, isso mesmo! se – mas era completamente impossível – fosse de outra forma, deveria dizer: aliter, diferente!
Uma noite, enquanto estava no órgão, o coração de Rufino parou. O amigo velou ansiosamente toda a noite, mas nada; esperou em vigílias e jejuns por semanas e meses, e nada. Finalmente, no aniversário da sua morte, eis que, à noite, em um halo de luz, entra na sua cela o amigo. Vendo que silencia, é ele que lhe pergunta, confiante na resposta afirmativa: taliter? É tão verdade? Mas o amigo balança a cabeça em sinal negativo. Em desespero, grita: aliter? É diferente? Mais uma vez um sinal negativo da cabeça. E, finalmente, dos lábios fechados do amigo, em um instante, duas palavras: totaliter aliter: Totalmente diferente! Rufus entende em um flash que o céu é infinitamente mais do que eles tinham imaginado, que não pode ser descrito, e logo depois morre também ele, pelo desejo de alcançá-lo.
O fato, é claro, é uma lenda, mas o seu conteúdo é bastante bíblico. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, tudo o que Deus preparou para os que o amam” (1 Cor 2, 9). São Simeão, o Novo Teólogo, um dos santos mais amados na Igreja Ortodoxa, teve uma visão um dia; estava certo de ter contemplado Deus em pessoa e, com a certeza de que não poderia haver nada maior e mais radioso do que tinha visto, disse: “Se o céu é isso, me basta!” O Senhor lhe respondeu: “És realmente bem mesquinho, se te contentas com estes bens, porque, com relação aos bens futuros, esses são como um céu pintado no papel, em comparação ao céu real.
Quando se quer atravessar um braço de mar, dizia Santo Agostinho, a coisa mais importante não é sentar-se na costa e aguçar a visão para ver o que está do outro lado, mas é subir no barco que leva àquela margem. E também para nós a coisa mais importante não é especular sobre como será a nossa vida eterna, mas fazer as coisas que sabemos que nos levam a ela. Que o nosso dia de hoje seja um pequeno passo em direção a ela.
Fonte: Parte da quarta pregação de Quaresma para o Papa e a Cúria Romana, conduzida pelo pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa. Roma, sexta feria, 31 de Março de 2017.