Na vida de um consagrado, onde está a liberdade?
“A cegueira do orgulho iludiu os nossos primeiros pais de que eram soberanos e autônomos, podendo prescindir do conhecimento vindo de Deus. Nesta desobediência original, eles implicaram todo o homem e mulher, causando à razão traumas sérios que haveriam de dificultar-lhe, daí em diante, o caminho para a verdade plena.” (Fides Et Ratio, II,21).
A distância da verdade plena levou o homem a acreditar que é criador esquecendo-se que é mera criatura de Deus. Retornemos ao pecado original, qual foi a tentação? ‘Sereis como deuses’, ‘serás independente’, ‘serás deus’.… Acolher a verdade de que somos criatura agride nosso racionalismo, é bem mais fácil e ‘prazeroso’ pensar que podemos tudo e que não precisamos de ninguém; por outro lado, quando admitimos que somos criaturas concluímos que existe Alguém maior que nós, Aquele que nos criou, e assim, estaremos a um passo de uma essencial descoberta: quem sou eu.
Ocupando o nosso lugar
Quando desconhecemos nossa essência, de onde viemos e para onde iremos, estamos condenados a passar a vida toda como o personagem das histórias infantis, o “Patinho feio”. Este conto de fadas relata que o patinho era diferente dos demais e sentia-se rejeitado e feio, até o dia em que seguiu o seu caminho e, ao chegar a um grande lago, refugiou-se junto a uns juncos, e ali ficou durante vários dias. Um dia, muito cedo, o patinho feio foi acordado por vozes de crianças.
– Olha! Um recém-chegado! Gritou uma das crianças. Todas as outras crianças davam gritos de alegria.
– E é tão bonito! Dizia outra.
– Bonito? …De quem estarão a falar? – Pensou o patinho feio.
De repente, o patinho feio viu que todos olhavam para ele e, ao ver o seu reflexo na água, viu um grande e elegante cisne… Afinal, ele não era um patinho feio mas um belo e jovem cisne!
Meditando sobre este belo conto infantil concluímos que, enquanto o belo cisne pensava que era um patinho, não conseguia se adequar aos que o rodeavam, não se sentia feliz e era cego em relação à própria beleza pessoal. Mas quando ele descobre sua essência, percebe a beleza com a qual foi criado e se torna nova criatura.
Somos cisne e não patos, ou seja, somos criaturas e não onipotentes. Quando conseguimos acolher esta verdade essencial estaremos verdadeiramente livres para agirmos como criaturas, com desprendimento, naturalidade e felicidade, assim como o cisne no lago entre seus semelhantes.
Um dever
Todo homem tem o dever de buscar as respostas para as perguntas essenciais da vida humana: quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? São questões saudáveis que nos ajudam a encontrar a verdadeira felicidade e cumprir plenamente a missão pessoal dada por Deus a cada um neste mundo.
Quem nasceu para ser uma ‘caneta‘, jamais será ‘pincel‘ – e não devemos esquecer que fomos criados e plasmados pelas mãos de Deus para sermos um ‘cisne‘ e não encontraremos realização desempenhando um papel que não nos pertence.
Toda vez que ocuparmos um lugar que não nos pertence, seremos um ‘patinho feio‘, mas quando descobrirmos o nosso lugar, encontraremos a resposta para esta pergunta: onde está minha liberdade?
Esta busca da verdadeira identidade nos levará a concluir que: se Deus nos fez xícara e nos apresentarmos no julgamento final como um pratinho, Ele dirá: “Objeto não identificado”. É caminho obrigatório e necessário para todo consagrado a procura de si mesmo e a descoberta de como, por quem e para que foi feito, sob pena de chegar diante de Deus no julgamento final e ouvir a trágica palavra: “Não vos conheço” (cf. Mt 25,12).