Abraão foi o primeiro homem que Deus chamou a sair de si, a deixar tudo e segui-lo para uma nova terra, a terra que Deus tinha preparado.
“O Senhor disse a Abraão: Deixa tua terra, tua família e a casa de teu pai, vai para a terra que eu te mostrar” (Gn 12,1). O Senhor diz a todo aquele que é chamado a consagrar sua vida a Deus: “Deixa tua terra, tua família e a casa de teu pai, vai para a terra que eu te mostrar”. Entramos num momento em que Deus decide por em prática seu plano de Salvação. Deus começa a preparar uma família entre os homens, na qual nascerá o salvador prometido.
O que significa “Deixa tua terra, tua família e a casa de teu pai, vai para a terra que eu te mostrar?” Observe a presença do pronome possessivo: ‘teu’, a primeira coisa que o Senhor pede ao consagrado é ‘deixa’ as tuas propriedades, as tuas posses, as tuas dominações, os teus costumes de resolver tudo sozinho; muda de terra, muda o ambiente geográfico de teu interior e vai para a terra que eu te mostrar.
‘Deixa tua terra’
Deus pede a Abraão que deixe sua terra, porque deseja incutir em Abraão uma nova mentalidade, longe dos costumes, vícios e deuses antigos. Para que isso acontecesse Abraão precisa deixar sua terra e ir para longe.
Hoje quando Deus pede a alguém para deixar sua terra, significa que esta pessoa possui um chamado semelhante ao de Abraão, esse tipo de chamado não é tão comum assim, pois são muitos os convidados e poucos os escolhidos (Mt, 22,14), dado que os convidados dificilmente aceitam, e muitos que aceitam se recusam a deixar seus apegos, ou retomam depois de um tempo, como dizem as Escrituras:“O cão que volve ao próprio vômito” (Pv 26,11); e, “A porca que volta ao lamaçal” (II Pd 2,22).
Aos que aceitam o convite de Deus, lhes é proposto um grande desafio: É preciso sair de casa, afastar-se da cultura ateia, dos costumes idólatras, das amizades fúteis, dos maus hábitos adquiridos e principalmente do barulho e do colorido do mundo. Deixar a terra é deixar tudo para ouvir a voz do amado (Ct 5,2), que chama… É preciso afastar-se das mídias sociais, das notícias corriqueiras, sem falar de programas abusivos de TV, e buscar Jesus que é fonte de toda a sabedoria.
‘Deixa tua família’
Abraão tinha direito de levar todos os seus bens, mas Lot, filho de seu irmão não se tratava de um ‘bem’, Lot representa para Abrão uma ‘segurança’, ou que sabe um ‘sonho’, uma ‘reserva’, uma ‘garantia’ caso ele tivesse se enganado, ou Deus o traísse.
Os laços de sangue podem tornar-se grande armadilha na vocação. A família é um lugar para onde sempre se pode voltar. Santa Brígida ensina a rezar assim:
“Por esta preciosa morte eu Vos suplico, ó Rei dos Santos, que me deis força e me socorrais, para resistir ao demônio, a carne a ao sangue, afim de que, estando morto(a) para o mundo, eu possa viver somente para Vós….” (XIV oração de santa Brígida). A santa pede a Deus a força para resistir ao ‘sangue’, ou seja, ela fala da tentação de se refugiar na família quando as dificuldades inerentes a um autêntico chamado aparecem; trata-se do “Lot”, o sobrinho que Abraão levou junto, é preciso separar-se de nosso ‘Lot’, se não quisermos acabar de volta ‘nas barras da saia de nossa mãe’, como tantos fazem.
‘Deixa a casa de teu pai’
Jesus é o principal ícone daquele que deixa a casa do Pai, Jesus deixou o Céu, deixou Sua glória e seus direitos… Como está escrito: “Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens.” (Fl 2,6-7).
Se o consagrado é chamado a ser outro Cristo no mundo, deve imitar o seu Senhor. Deixar a casa do Pai para o consagrado significa deixar o ‘céu’ aqui na terra, deixar os privilégios, as comodidades, as glórias, todas as delícias que este mundo pode oferecer para aniquilar-se como Jesus. Quem deixa realmente a ‘casa do Pai’ neste mundo, mesmo tendo direitos a privilégios, deve buscar sempre o último lugar e ser aquele que serve.
‘vai para a terra que eu te mostrar’
O salmista diz: “Senhor, vós sois minha parte de herança e meu cálice; vós tendes nas mãos o meu destino”. (Sl 15,5); saber colocar-se nas mãos do Senhor é um dom divino, é puríssima graça dada aos que fazem pouco ‘caso’ de si mesmo (Jo 12,25), daqueles que sabem dar pouca atenção para sentimentos, pensamentos, ilusões e fantasias do ego.
Saibamos orar e ouvir: ‘vai para a terra que eu te mostrar’, saibamos responder: eis-me aqui Senhor.