Com a hodierna festa do Batismo de Jesus encerra-se o tempo litúrgico do Natal. O Menino, que os Magos, vindos do Oriente, foram adorar em Belém levando os seus dons simbólicos, encontramo-lo agora adulto, no momento em que se faz batizar no rio Jordão pelo grande profeta João (Lc 3, 21).
Observa o Evangelho que quando Jesus, tendo recebido o batismo, saiu da água, abriram-se os céus e desceu sobre Ele o Espírito Santo sob forma de pomba (Lc 3,22). Ouviu-se uma voz do céu que dizia: “Este é o Meu Filho muito amado, no Qual pus toda a minha complacência” (Lc 3,22). Aquela foi a sua primeira manifestação pública, depois de cerca de trinta anos de vida escondida em Nazaré. Testemunhas oculares do singular acontecimento foram, além do Batista, os seus discípulos, alguns dos quais se tornaram a partir daquele momento seguidores de Cristo (Jo 1, 35-40). Tratou-se contemporaneamente de cristofania e teofania: antes de tudo Jesus manifestou-se como o Cristo, palavra grega para traduzir o hebraico Messias, que significa “ungido“: Ele não foi ungido com óleo à maneira dos reis e dos sumos sacerdotes de Israel, mas com o Espírito Santo. Ao mesmo tempo, juntamente com o Filho de Deus apareceram os sinais do Espírito Santo e do Pai celeste.
Qual é o significado deste ato, que Jesus quis realizar – vencendo a resistência do Batista – para obedecer à vontade do Pai (Mt 3, 14-15)? O sentido profundo só sobressairá no final da vicissitude terrena de Cristo, isto é, na sua morte e ressurreição. Fazendo-se batizar por João juntamente com os pecadores, Jesus começou a assumir sobre si o peso da culpa da humanidade inteira, como Cordeiro de Deus que “tira” o pecado do mundo (Jo 1, 29). Obra que Ele cumpriu na cruz, quando recebeu também o seu “batismo” (Lc 12, 50). De fato, ao morrer “imergiu-se” no amor do Pai e efundiu o Espírito Santo, para que os crentes n’Ele pudessem renascer daquela fonte inexaurível de vida nova e eterna. Toda a missão de Cristo se resume nisto: batizar-nos no Espírito Santo, para nos libertar da escravidão da morte e nos “abrirmos para o céu“, isto é, o acesso à vida verdadeira e plena, que será “um incessante mergulhar na vastidão do ser, ao mesmo tempo que ficamos simplesmente inundados pela alegria” (Spe salvi, 12).
Este Jesus é Aquele que morrerá na cruz e ressuscitará pelo poder do mesmo Espírito que agora desce sobre Ele e O consagra. Este Jesus é o homem novo que quer viver como Filho de Deus, ou seja, no amor; o homem que, diante do mal do mundo, escolhe o caminho da humildade e da responsabilidade, não prefere salvar-se a si mesmo, mas oferecer a própria vida pela verdade e pela justiça. Ser cristão significa viver assim, mas este gênero de vida comporta um renascimento: renascer do alto, de Deus, da Graça. Este renascimento é o Batismo, que Cristo concedeu à Igreja a fim de regenerar os homens para uma vida nova. Afirma um antigo texto atribuído a santo Hipólito: “Quem desce com fé neste lavacro de regeneração, renuncia ao demônio e põe-se ao lado de Cristo, renega o inimigo e reconhece que Cristo é Deus, despoja-se da escravidão e reveste-se da adoção filial” (Discurso sobre a Epifania, 10: pg 10, 862).
Fonte: Parte do discurso do Papa Emérito Bento XVI, por ocasião da Oração do Angelus. Festa do Batismo do Senhor. Praça de São Pedro, Domingo, 13 de Janeiro de 2008.