“Converter-se”, um convite que vamos ouvir muitas vezes na Quaresma, significa seguir Jesus de modo que o seu Evangelho seja guia concreta da vida; quer dizer deixar que Deus nos transforme, deixar de pensar que nós somos os únicos construtores da nossa existência; significa reconhecer que somos criaturas, que dependemos de Deus, do seu amor, e que só “perdendo” a nossa vida nele podemos ganhá-la. Isto exige que façamos as nossas escolhas à luz da Palavra de Deus. Hoje não podemos continuar a ser cristãos como uma simples consequência do fato de vivermos numa sociedade que tem raízes cristãs: até quem nasce de uma família cristã e é educado religiosamente deve, todos os dias, renovar a escolha de ser cristão, ou seja, reservar a Deus o primeiro lugar, diante das tentações que uma cultura secularizada lhe propõe continuamente, diante do juízo crítico de muitos contemporâneos.
O estímulo das grandes conversões
São exemplo e estímulo as grandes conversões, como a de são Paulo no caminho de Damasco, ou de santo Agostinho, mas também na nossa época de eclipse do sentido do sagrado, a graça de Deus está em ação e realiza maravilhas na vida de muitas pessoas. O Senhor não se cansa de bater à porta do homem em contextos sociais e culturais que parecem absorvidos pela secularização.
O russo ortodoxo Pavel Florensky. Depois de uma educação completamente agnóstica, a ponto de sentir verdadeira hostilidade pelos ensinamentos religiosos recebidos na escola, o cientista Florensky exclamou: “Não, não se pode viver sem Deus!”, e muda completamente a sua vida, a ponto de se tornar monge.
Etty Hillesum, uma jovem holandesa de origem judaica, que morrerá em Auschwitz. Inicialmente distante de Deus, descobre-o olhando em profundidade dentro de si mesma e escreve:
“Dentro de mim existe um poço muito profundo. E naquele poço está Deus. Às vezes consigo alcançá-lo, mas na maioria das vezes está coberto por pedras e areia: então Deus está sepultado. É necessário que eu o volte a desenterrar” (Diário, 97).
Na sua vida dispersa e inquieta, ela encontra Deus precisamente no meio da grande tragédia de Novecentos, o Shoah. Esta jovem frágil e insatisfeita, transfigurada pela fé, transforma-se numa mulher cheia de amor e de paz interior, capaz de afirmar: “Vivo constantemente em intimidade com Deus”.
Dorothy Day, uma americana que demonstrou a capacidade de se opor às adulações ideológicas do seu tempo, para escolher a busca da verdade e para se abrir à descoberta da fé é testemunhada por outra mulher da nossa época. Na sua autobiografia, confessa abertamente que caiu na tentação de resolver tudo com a política, aderindo à proposta marxista:
“Eu queria sair com os manifestantes, ir para a prisão, escrever, influenciar os outros e deixar o meu sonho ao mundo. Quanta ambição e quanta busca de mim mesma havia em tudo isto!”.
O caminho rumo à fé num ambiente tão secularizado era particularmente difícil, mas a Graça age sempre, como ela mesma sublinha:
“Sem dúvida, eu sentia com mais frequência a necessidade de ir à Igreja, de me ajoelhar, de inclinar a cabeça em oração. Um instinto cego, poder-se-ia dizer, porque eu não estava consciente de rezar. Mas eu ía, inseria-me na atmosfera de oração…”. Deus levou-a a uma adesão consciente à Igreja, numa vida dedicada aos deserdados.
Na nossa época não são poucas as conversões entendidas como o retorno de quem, depois de uma educação cristã talvez superficial, se afasta da fé durante anos e depois volta a descobrir Cristo e o seu Evangelho. No Livro do Apocalipse lemos:
“Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo” (3, 20). O nosso homem interior deve preparar-se para ser visitado por Deus, e precisamente por isso não deve deixar-se invadir pelas ilusões, pelas aparências e pelas coisas materiais.
Provações dos Cristãos
As provações às quais a sociedade atual submete o cristão são numerosas, e dizem respeito à sua vida pessoal e social. Não é fácil ser fiel ao matrimônio cristão, praticar a misericórdia na vida quotidiana, dar espaço à oração e ao silêncio interior; não é fácil opor-se publicamente a escolhas que muitos consideram óbvias, como o aborto em caso de gravidez indesejada, a eutanásia em caso de doenças graves, ou a seleção dos embriões para prevenir enfermidades hereditárias. A tentação de pôr de lado a própria fé está sempre presente e a conversão torna-se uma resposta a Deus, que deve ser confirmada muitas vezes na vida.
Fonte: Parte do discurso do Papa Emérito Bento XVI por ocasião da Audiência Geral que ocorreu na Sala Paulo VI. Quarta-feira, 13 de Fevereiro de 2013.